• Estatísticas

    • 17.524 hits
  • Área

O quinto Mandamento – reflexões sobre o sistema penitenciário e a pena de morte

Segue uma troca de posts entre o o Grande amigo Aurílio Nascimento e Luiz Eduardo Guimarães (este que aqui colabora). Entre os anos de 2002 e 2003, quando do fervor de uma das grandes prisões que Aurílio havia feito, tivemos boas conversas sobre o sistema penitenciário e a pena de morte. segue o resultado:

O Quinto mandamento

Em toda discussão sobre a pena de morte imposta pelo estado, várias são as críticas apresentadas. Por vezes, e por que não dizer na grande maioria, os argumentos são de que onde a pena capital é praticada não houve redução da criminalidade, até pelo contrário. Em outras palavras se fala do risco do erro jurídico não poder ser corrigido. Listar todas as controvérsias em desfavor da pena de morte é cair no vazio conhecido.

Para aqueles que estudaram o assunto, o primeiro mandamento é o de colocar de lado a emoção. Ora, nada tão difícil de ser atingido. Morrer é o grande mistério da vida. E quando alguém morre, mesmo um desconhecido, a tristeza torna-se abrangente.

Coloco aqui um caso, e peço para todos os que são contra a pena capital, dizerem se pode ou não ser admitida, até mesmo com senso humanitário.

Febrónio Índio do Brasil era o preso 00001 do sistema penitenciário do Rio de Janeiro. Foi preso pela primeira vez em 1916. Acusado de roubo, furtos e da prática ilegal da medicina, pedofilia, entre outros. Passou alguns anos na cadeia. Solto, voltou a delinqüir. Desta feita com requintes de crueldade. Homossexual, Febrónio seqüestrou e matou, após praticar a sodomia, vários garotos. Preso novamente descobriu-se que se tratava de um psicopata. O psiquiatra que o examinou, Heitor Carrilho, em um extenso parecer, escreveu que o preso deveria ser segregado “ad vitam”, ou seja, para toda a vida. Não poderia ser diferente. Não havia, como não há, a pena de morte. Logo, a única solução era o internamento para o resto da vida. Ademais, nosso código possui o maior dos paradoxos: se alguém não pode ser considerado culpado por um crime, poderá ficar toda a vida na prisão. Se puder ser considerado culpado, cumpre a pena e recebe a liberdade. Declarado inimputável Febrónio lutou por anos contra tal argumento, afirmando que tinha plena consciência dos seus crimes. Não obteve êxito. Morreu na cadeia, após cinqüenta e sete anos preso. Mais de meio século. Alguém pode imaginar o que são cinqüenta e sete anos encarcerado?

Os agentes penitenciários que o conheceram diziam que sentia pena do condenado. Já nos últimos anos de vida, Febrónio era ignorado pela vigilância. Às vezes caminhava até o portão da penitenciária, parava e ficava aterrorizado olhando a rua. Minutos depois, voltava correndo para sua cela e se trancava. Quando Febrónio foi preso, não havia o Cristo Redentor, muito menos a Avenida Presidente Vargas. Os limites do Rio de Janeiro iam até a praça da Bandeira. Para além, tudo era mato.

Tristão de Ataíde, grande pensador católico, dizia que Deus criou o homem livre. Por ser livre o homem pode até duvidar da existência do criador. Mas, mesmo duvidando de sua existência, o homem continua a ser a maior declaração da existência Dele. A lógica desta argumentação pode ser emprestada a discussão sobre a pena de morte.

Se Deus criou o homem livre, até mesmo para duvidar de sua existência, poderia  tirar de seu semelhante o bem maior, a vida? Pode. Tanto pode que o faz.  Se Deus fosse contra a pena de morte, não daria ao homem as condições de sua consecução.

O que dizer então do quinto mandamento? Não matarás. Seria uma ordem contra qualquer iniciativa para com a vida do outro? Não. Basta uma interpretação mais apurada para se concluir que Deus estipulou uma conduta geral. A ação do estado na pena de morte é especifica. E qual a diferença? O mandamento é individualizado.

Logo, podemos inferir que o estado, como forma de conter a criminalidade, e até mesmo como tratamento humano para com aqueles que como Febrónio nasceram sem as condições de se adaptar a sociedade criada com regras estabelecidas, pode e deve praticar a pena capital.

Quanto custou aos cofres públicos a manutenção de Febrónio em um estabelecimento prisional?

Se este dinheiro tivesse sido aplicado em educação, saúde, resultaria em benefícios para a sociedade?

Se a Febrónio fosse dada uma escolha, ele, em um momento de divina lucidez teria dito o que vários condenados disseram: sou uma aberração, não  mereço viver?

Quando os críticos da pena de morte se posicionam radicalmente contra esta medida, estão na verdade tornando público a sua não aceitação do que há de mais normal na vida: a morte. Se perguntarem a qualquer um deles o que acham da morte, eles com certeza irão dizer: não aceito a morte. Esta não aceitação de um fato futuro e inquestionável é o que os levam a ser contra a pena capital.

Desconsideram todos os argumentos favoráveis por fraqueza em aceitar algo do qual não se pode fugir. É na verdade um exercício contra a natureza. Sabem que não podem conseguir aquilo, ou seja, a vida eterna. Então evitam a morte de outros. Pura fraqueza.

O desconhecimento das verdadeiras questões, as soluções simplistas, leva a argumentos ferrenhos contra a pena capital. Isolem. Deixa mofar na cadeia. Deixa morrer encarcerado. Estas são apenas algumas das várias colocações daqueles que não compreendem os três fatores que sustentam a aplicação da pena de morte. São eles: desestimular os crimes bárbaros; cara manutenção de condenados; e por último a simples resposta a sociedade.

Ninguém, exceto os loucos querem morrer. Mesmo sabendo que tal fato acontecera um dia em suas vidas, preferem, mesmo sendo criminosos, que este dia seja aleatório e de preferência longínquo. Assim, não é preciso ser cientista para concluir que qualquer bandido por mais burro que seja, visualizando a possibilidade de ser punido com a morte, pensará duas, três, e até dez vezes antes de cometer o crime.

Um prisioneiro custa em média para o nosso estado quatrocentos e vinte dólares/mês. Assim, um condenado que passar dez anos presos, custou ao estado à bagatela de cinqüenta mil e quatrocentos dólares. E mesmo solto, quando há a progressão de pena, continua a exigir do estado gastos.

O intolerante poderá dizer: vamos matar alguém para economizar? Pode parecer cruel, mais digo que sim. Todo o dinheiro gasto com um condenado, deixa de ser investido nos menores abandonados, na velhice excluída, na saúde, na educação e na formação correta do cidadão. A pergunta é: Por que deveríamos deixar de apostar nas crianças, dar dignidade àqueles que ao fim da vida perecem aos poucos, mesmo tendo trabalhado muito e são excluídos pelo estado, para simplesmente sustentar bandidos, facínoras, que não pararam um único minuto pra refletir sobre suas ações, as quais muitas e muitas vezes trazem a dor eterna para parentes e amigos daqueles que morreram por nada, só por que o bandido queria ter mais do que podia? A estes digo: olhem a natureza.

A pena de morte não é injusta. Injusto é sua não aplicação. De mais a mais, os fatos nos mostram que o marginal mesmo condenado por um crime de homicídio, cumprindo parte da pena, como determina nossa benevolente lei, e colocado de volta às ruas, torna a praticar o mesmo crime. Desta vez mais sagaz, e com mais recursos. Não quer ser pego novamente. Não porque a cadeia seja ruim, mais o tempo que perde lá. Não há de parte dele nenhum compromisso com a sociedade.

Por outro lado existem os assassinos ocasionais. Por vaidade, orgulho, ou seja lá o motivo, cometem os mais hediondos crimes. Tiram a vida da mais inocente das vítimas.

Daniela Perez foi um destas. Jovem, bonita, com uma vida inteira pela frente, foi brutalmente assassinada por Guilherme de Pádua e sua mulher. O motivo: um caso mal resolvido. Dezoito facadas no peito, depois de atrair a vítima para o local do crime. Passados alguns anos, a dupla de criminosos goza da liberdade. Hoje, quando escrevo, 17 de novembro de 2002, um domingo de primavera, com um belo sol, um céu de um azul lindíssimo, fico a me perguntar: como será a dor da mãe daquela menina; quantas lágrimas verterá hoje, pensando em sua filha, morta de forma bárbara; e os assassinos? Estes estão soltos. Estarão na praia? Passeando? Rindo? Ou será que estão em um churrasco? Pergunto: isto é justo? Não é a vingança pela morte, mas a punição correta pela prática de um crime hediondo.

Creio que nossa cultura altamente carregada de fatores religiosos contribui para a negação da pena de morte. Mas, é preciso refletir seriamente sobre sua aplicação. Só Deus poderá dizer se estou errado. E só Ele poderá nos perdoar se tivermos errados.

Aurilio Nascimento

nascimentoajonas@aol.com

Rio de janeiro 17/11/02

O quinto Mandamento

Caro amigo,

Devo confessar que minha posição em relação ao assunto que você traz é sui generis , sendo alvo de alguns ataques de meus pares. Acredito que a minha formação em criminologia e a vivência profissional (10 anos como assistente de acusação em vários processos e assessoria em segurança)  travam uma imensa batalha.

Não advogo contra o sistema da pena de morte. Faço-lhe várias ressalvas que acredito inviabiliza-lo. Prego, talvez de forma utópica, uma remodelação do sistema penitenciário, que ao final me permito fazer um breve panorama.

Acredito estar dentro dos seus requisitos para tratar o tema: emoção abandonada e medo da morte afastado.

Conheço o caso concreto que voce trouxe. Nele temos, acredito eu, o “calcanhar de Aquiles” do Direito: o psicopata.

A psicologia diz que seu tratamento é de longo prazo, podendo ser perpétuo e sob o regime de internato; a Legislação pátria e grande parte dos juristas proíbem a prisão perpétua.

Qual seria  a solução exterminar da sociedade? Deixa-lo segregado pelo resto de sua vida, no cárcere? Deixa-lo internado em tratamento pelo que lhe sobra de vida?

Se adotarmos o pensamento Lombrosiano de Heitor Carrilho, deveríamos afastar Febrónio da sociedade com internado ad vitam. Heitor Carrilho, com certeza não recomendou a morte, por questões políticas e lógicamente pelo sua impossibilidade legal.

A solução adotada pelo psiquiatra, porém é a que 99% dos profissionais atuais apontaria, se desprovidos de qualquer temor político.

Contudo, voltando ao problema da pena de morte, devo discordar da alegação de que Deus deu a vida e delegou ao Estado o poder de tirá-la.

Deus criou o homem e com ele o livre arbítrio, para assim ele seguir o seu caminho, em atos e pensamentos, desta forma é o homem responsável pelos seus atos e não Deus.

Deus criou o homem, não a roda; Deus criou o homem não o Clone; Deus criou o homem não o Estado, este foi criado pela necessidade de se organizar.

A decisão de tirar vidas é do homem, independente da vontade de Deus; os mandamentos nada mais são do que um conjunto de dispositivos voltados a evitar a discórdia entre as criaturas.

Adotar a pena de morte como solução, é uma visão muito simplista do sistema social como um todo, é admitir e aceitar os erros da sociedade, é a declaração velada da sociedade que não quer buscar solução para seus problemas.

Antes de julgamos se é justo ou não devemos fazer algumas considerações:

É unânime em todos os países do Mundo que impunidade se combate, antes de tudo, com uma resposta célere ao ato ilícito, a resposta ao infrator de ser o mais rápida possível, se não houver como ser imediata. Somente assim o infrator se vê plenamente repreendido, independentemente da carga penal que se aplica ao ilícito.

Indubitavelmente, o sistema penal tem de ser ágil, a quantidade da pena fica em segundo plano.

A pena deve ser tratada como correção e nunca como vingança. O cumprimento da pena deve visar sempre uma readaptação a sociedade.

O sistema da pena de morte obviamente não visa corrigir, mas sim excluir um mau criado pela sociedade ou uma deficiência de caráter indesejável a sociedade, em muitos dos casos um Ser que seguir o caminho errado por falta de oportunidade ou pela maior credibilidade que a atividade ilícita lhe oferece quando comparada com a licita.

Devo me permitir a trazer uma forma de sistema penitenciário voltado ao fim da pena, propriamente dita.

Sabemos todas as agruras do sistema penitenciário, para todos que dele fazem parte.

Salta aos olhos a ociosidade que recobre a todos os detentos.

Se tivéssemos que alterar a lei penal e processual para permitir a pena de morte, poderíamos altera-las para obrigar o trabalho no cárcere, trabalho produtivo e não confecção de artesanato. Isso com certeza pagaria a “estada” do infrator e ainda lhe daria uma maior possibilidade de inserção na sociedade.

Este trabalho obviamente se concretizaria através de convênios com a iniciativa privada em troca de abatimentos lógicos na contribuição social e impostos, tendo em vista as características da mão de obra.

Como todas as medidas para tentar diminuir a criminalidade, neste caso também não teríamos sucesso integral, bem como acontece com  pena de morte. Contudo estaríamos trazendo o real sentido do sistema de penas, enquanto que a medida ideal não chega, que seria o oferecimento de empregos e qualidade social para todos os cidadãos.

Volto a dizer: o sistema de pena de morte é simplesmente uma fuga para os erros da sociedade, devemos encarar nossos problemas de frentes.

Luiz Eduardo Nogueira Guimarães

17/02/03

Deixe um comentário